Contra as cotas e o Mais Médicos: o preconceito em nome do bem do país

Por Fernando Rinaldi

A Lei de Cotas, válida a partir de agosto de 2012, garante 50% das vagas das universidades federais para os alunos que fizeram o Ensino Médio em escola pública. Metade dessas vagas se destina àqueles com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salário mínimo e a outra metade àqueles com renda superior a 1,5 salário mínimo. Um percentual dessas duas condições de renda é destinado a quem se declarar preto, pardo ou indígena – a famosa cota racial.

O programa Mais Médicos, lançado pela presidente Dilma, foi criado com a intenção de enviar médicos para regiões onde há carência desses profissionais, como as periferias e as cidades no interior do país. Dados apontam que 70% dos médicos formados aqui atendem nas regiões Sul e Sudeste, enquanto que as regiões Norte e Nordeste sofrem com a falta deles. Como resultado do primeiro mês do programa, foram selecionados 1.618 médicos, entre eles 358 estrangeiros, que irão trabalhar nos 701 municípios que não interessaram os médicos brasileiros apesar da bolsa de R$10.000,00 oferecida pelo governo brasileiro.

Embora as implementações do sistema de cotas e do programa Mais Médicos visem melhorias – diminutas se considerarmos a dimensão dos problemas, é verdade – em áreas deixadas de escanteio desde sempre, elas foram amplamente criticadas, a primeira no ano passado e a segunda agora, com a justificativa de que elas não trariam o verdadeiro avanço de que o país precisa.

As pessoas que pensam assim querem que o país mude num passe de mágica – e sem que seja preciso fazer concessões ou dividir os seus direitos com os outros, é claro – e esquecem que há seres humanos pobres e negros que não podem e não querem esperar décadas até que o sistema de educação seja inclusivo o suficiente a ponto de poderem dispensar as cotas; esquecem que há seres humanos que precisam se deslocar de seu município para serem atendidos por um médico.

Frases como “sou contra as cotas porque sou a favor da educação” e “sou contra o programa Mais Médicos porque sou a favor da saúde do nosso povo” resumem bem a contradição em que caem os falsos progressistas, dopados de “moralina” (cf. definiu Nietzsche). Sim, pois a rejeição das cotas nas universidades e do Mais Médicos parece ter as mesmas raízes do repúdio ao auxílio do governo aos mais pobres com o argumento de que o programa é uma compra de voto disfarçada e uma frágil sutura para a ferida aberta que é o problema da miséria no Brasil. Seguindo essa linha de raciocínio, a Lei de Cotas não deveria existir, pois trata-se de uma forma de maquiar o problema da educação. O mesmo se aplica ao Mais Médicos: médico estrangeiro nenhum deveria vir para um país sem uma infraestrutura mínima nos hospitais.

O que há por trás disso é um preconceito embutido, recôndito, nem sempre muito claro mesmo para quem o tem. A crítica às cotas está fortemente ligada ao apreço à meritocracia, que pode funcionar em outros lugares mas nem tanto no Brasil. Basta estudar um pouco da nossa história para entender por quê. É ignorância supor que um negro, que teve poucas oportunidades na vida e estudou em escola pública, tem as mesmas condições de entrar na faculdade que um branco, de classe média, que estudou a vida inteira em colégio particular e que tem dinheiro para pagar um bom cursinho por um ano ou mais. É estupidez ver esse negro, egresso de escola pública e que pôde entrar numa universidade federal pelo sistema de cotas, como alguém que roubou a vaga de alguém que tinha mais direito e mais capacidade de entrar na faculdade e, mais grave ainda, como uma ameaça à excelência da universidade. Esse estudante que teve uma vantagem na prova do vestibular é imediatamente desqualificado por aqueles que se sentem injustiçados, como se os exames pudessem avaliar igualitariamente a sociedade desigual em que são aplicados.

Já as críticas aos Mais Médicos, advindas sobretudo dos próprios médicos, partem de duas premissas: a de que o Brasil não precisa de mais médicos, mas de hospitais melhores, mais bem equipados e com melhores condições de trabalho; e a de que os médicos cubanos não são capacitados para tratar de qualquer doenças. Com relação à primeira premissa não há o que se discutir: o Brasil realmente precisa melhorar o sistema de saúde e a infraestrutura dos hospitais. Essa melhoria necessária, no entanto, não precisa excluir a ida dos médicos a lugares onde há pouquíssimos ou nenhum. É sabido que organizações médico-humanitárias, cujo maior exemplo é o Médico Sem Fronteiras, atuam em condições adversas e mesmo assim auferem grandes resultados de suas missões. Já quem parte da segunda premissa parece desconhecer, em primeiro lugar, que médicos de outras países também virão para trabalhar para o Mais Médicos. Desconhece também que Cuba tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa do continente americano e uma expectativa de vida tão alta quanto à dos países chamados de desenvolvidos, além de certamente não ter-se informado sobre os médicos que vêm para cá nem ter parado para averiguar seus currículos. Quem parte dessa premissa não leu também que os médicos formados em Cuba foram os mais aprovados em 2011 e 2012 no Revalida, o famoso Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos que tem gerado tanta polêmica recentemente. Essa série de desconhecimentos e desinformações traz à tona um lado obscuro do Brasil: o julgamento dos imigrantes pelas suas origens.

medicocubano

A foto dos médicos cubanos sendo vaiados é emblemática e choca pela quantidade de denotações acumuladas em uma só imagem: o estrangeiro negro sendo chamado de escravo pelos médicos brasileiros, que não cruzaram com quase nenhum ou nenhum negro na universidade em que estudaram, na mesma época em que o governo tenta concertar uma realidade completamente desacertada, consequência dos séculos de escravidão e de mais décadas e décadas de marginalização dos negros. E o tweet da jornalista Micheline Borges, e a declaração do João Batista Gomes Soares, e a farsa da Folha de São Paulo corroboram não só que o Brasil é só racista e xenofóbico. A grande impressão que fica é a de que nossa elite é completamente vulnerável e pusilânime, uma vez que se sente acuada ao menor sinal de fratura de seus privilégios.

Diante dessa situação, fica claro que as críticas a esses dois programas, cujas falhas certamente podem ser apontadas aqui e ali, não têm como intenção aprimorá-los, e sim eliminá-los. Pois o medo de que os cubanos, os negros, os pobres etc. ocupem um espaço que seria da elite brasileira por mérito é maior do que a vontade de tentar mudar o Brasil, ainda que ela, patriota quando lhe convém, argumente que se opõe a essas mudanças pelo bem do país. Um bem que, sem sombra de dúvida, não quer dizer outra coisa senão o seu próprio bem.

Amor à Vida

por Luís H. Deutsch

“Os personagens e a história são ficção. Qualquer semelhança com a realidade é uma mera coincidência. ”

Um texto parecido com esse figurava nos créditos finais de seriados e novelas há algum tempo. Servia para separar de vez conspiratórias teorias que ligassem um folhetim à vida real de alguém.  Por mais que a vida imite a arte ou vice-versa, temos de ser taxativos: o que vemos na tevê é a pura maquiagem da realidade para fins de entretenimento. E funciona. Fim.

Só que, é de se observar que, pelo menos no Brasil, ficção e fatos reais andam centrados em alguns temas comuns. No caso atual, os médicos. Sim, o profissional de medicina está em alta. Fala-se dele tanto no Jornal Nacional, como na novela das 9.

Desde que a voz das ruas falou mais alto, e até mesmo um pouco antes disso, o programa Mais Médicos já garantia sua polêmica. Após o país parar e a presidente reforçar suas estratégias para a saúde ,  o quadro da discussão ficou mais instável.  Hoje, um debate sobre o programa que dá diretrizes novas e ousadas à medicina brasileira ficou tão polarizado quanto sobre a eutanásia, o aborto… Ou qualquer outro tema que transforma uma conversa em barraco de horário nobre.

Os profissionais da saúde estão, em sua maioria, inconformados. “Como assim, mais dois anos obrigatórios no SUS?”
“Como assim, não valemos mais e por isso querem médicos cubano-comunistas???”
“Como assim, ir trabalhar no Acre?!”

Assim como nas historias da televisão, perguntas mal respondidas, questões mal compreendidas e atos tomados de cabeça vazia dão o tempero da trama. Causam o conflito. O chato é que na vida real o conflito não causa audiência. Causa problema.

Quando a mocinha mimada (bonita, mas insuportável) da novela desconfia que seu noivo roubou sua filha,  o drama surge. Quando a menina com câncer morre e vira fantasminha-borboleta, mais um drama. Porém, no meio disso sabemos que ao término de 200 e poucos capítulos tuuuuudo vai ser lindo e maravilhoso, todos vão estar em um casamento com seus respectivos pares e um the end anunciará o fim do sofrimento. E a bixa má ou morre, ou vai pra Paris com um personagem mais novo.

ImageAgora, o que pensam os milhares de brasileiros que sofrem diariamente e morrem nas mãos de uma saúde precária? O que pensam quando vêem o embate entre posições e entre teorias enquanto, na prática… Falta maca, algodão, gaze, remédio, soro… Que vai ter happy end?

Bem, só se for uma novela daquelas espíritas, das seis da tarde.

No meio uma classe que rala, que estuda pra caramba e que sim, se sacrifica, surge um tumor que é o corporativismo baseado em mal-entendidos. Os médicos se protegem, fazem greves e paralisam ainda mais o sistema ruim que é o nosso.

De certo que nossa estrutura para a saúde é uma merlin. Péssima. Atrasada. Desrespeitosa. De fato, daria vergonha receber um daqueles médicos gringos de série americana que descobrem doenças raras por causa de uma manchinha na unha nas nossas unidades hospitalares. Com certeza, falta investimento alto e falta respeito ao dinheiro aplicado.

O que precisa ser entendido é: os passos devem ser dados em conjunto. O dinheiro para a saúde vai sair, seja do petróleo, seja de uma reforma tributária . É isso não é coisa milagrosa de final de novela. É obrigação de estadistas, e nosso papel é COBRAR. Votar direito. Não só assistir!

PORÉM… Enquanto isso, por que não aprimorar nosso país? Com médicos de fora, igual ao Canadá. Com médicos que participam mais do serviço público , como na França, e principalmente, com médicos em toda a parte do país, como em CUBA! Cuidando de gente. Não só aplicando silicone e repuxando a cara das peruas paulistanas.

Acho que o desejo pra um verdeiro desfecho legal é um desejo por mais  estrutura, mais programas, mais respeito e também, mais médicos. Que tenham amor à profissão. E amor à vida.

VIDAAAAAAA! (Ok. Foi mal.)